Sem representatividade, sem voz, sem direitos: a violência de gênero como meio de exclusão da participação feminina na política 

Luciana Chemim[1]

Um país que se intitule democrata exige a presença de mulheres na política e esta assertiva precisa sair do papel e dos discursos exaustos para alcançar assentos de decisão em todos os espaços de poder.

Hoje os Estados Unidos da América experiencia uma candidatura feminina ao mais alto cargo de poder do país.

Kamala Harris representa a esperança americana na ruptura do machismo e do preconceito racial, além de evidenciar que é possível aliar competência, determinação e coragem sem perder a sensibilidade e a cordialidade no trato com o outro, independente de posicionamentos políticos, crenças, ideologias, raça ou gênero.

Sabe-se que Kamala trilhará um percurso difícil, especialmente considerando o perfil escancaradamente sexista de seu oponente. Mas o fato é que ela chegou onde milhares de mulheres jamais pensaram que poderiam. Roga-se para que não seja vítima de um golpe. Às vezes acontece.

Em terras brasileiras o cenário político segue contraditório. As mulheres são maioria no eleitorado, entretanto, constituem míseros 18% do total de parlamentares da Câmara, que numericamente se traduzem em 90 mulheres e 423 homens. No Senado o percentual feminino é de 16%. E das prefeituras brasileiras, apenas 12% são lideradas por mulheres.[2]

A baixa representatividade feminina nos espaços políticos evidencia que, passados pouco mais de 90 anos do direito ao voto, arduamente conquistado, as mulheres seguem à margem e dependentes da vontade e do olhar masculino para pautas evidentemente femininas.

O Observatório da Mulher contra a Violência (OMV), em conjunto com o Instituto DataSenado, lançou no ano de 2022 a segunda edição da pesquisa Mulheres na Política, em que apontou que 32% das mulheres que concorriam a cargos municipais afirmaram ter sofrido discriminação em razão do seu gênero. Já no caso das candidatas a cargos estaduais e federais o percentual subiu para 44%.

A situação se inverte em relação aos homens: 10% entre os homens candidatos a cargos municipais declararam violência política de gênero e 7% dos candidatos a cargos estaduais/federais.

Observe-se que a pesquisa se deu no período de campanha política, indicando quão espinhosa é esta caminhada para mulheres que, destemidamente, resistem e persistem em prol de equidade representativa nos cargos de comando, numa sociedade que persiste atrasada e machista.

As poucas que conquistam o direito à cadeira no parlamento são frequentemente intimidadas com assédios moral e sexual, ameaças, ataques de ódio, interrupções na fala, deboches, palavras depreciativas e piadas misóginas.

Não raro a mídia noticia flagrantes de ambientes políticos em que mulheres são descredibilizadas, silenciadas, atacadas em suas vidas privadas, pelo único fato de serem mulheres, dentre estes ganharam repercussão os casos envolvendo as parlamentares Simone Tebet, Isa Penna, Manuela D’Ávila, Maria do Rosário e Marielle Franco.

São inúmeros os fatos. Porém, até o momento a notícia que se tem é de que, em maio de 2024, houve a primeira condenação pelo crime de violência política de gênero no Brasil, cuja pena restou convertida em prestação de serviços comunitários e multa em valor pífio. O parlamentar réu avisou que iria interpor recurso, afinal, a conduta supostamente ofensiva se deu no calor de um debate ideológico.[3]

Não é crível que se naturalize a violência de gênero nos ambientes políticos, sob pena de vilipendiar-se o próprio Estado Democrático de Direito.

É imperiosa a construção de políticas afirmativas que superem este cenário patriarcal destrutivo, principal responsável pela baixa participação das mulheres na esfera político-partidária.

Cotas são necessárias, mas não suficientes para dar conta do machismo que grita nos espaços políticos, invisibilizando pautas e vozes femininas.

O Brasil precisa de leis escritas para mulheres e por mulheres.

O resto é retrocesso.


[1] Advogada Criminalista. Mestre em Direito Processual e Cidadania pela Unipar. Professora de Processo Penal no programa de pós-graduação da Escola da Magistratura Federal (ESMAFE). Pesquisadora em Violência de Gênero. Membro da Associação Brasileira de Advogados Criminalistas. Membro da Associação Nacional da Advocacia Criminal. Membro da Comissão de Estudos sobre Violência de Gênero da OAB/PR. Membro do Coletivo Todas da Lei. Co-autora da obra Mulheres da Advocacia Criminal – Temas Atuais de Direito e Processo Penal, volumes II e III, editora tirant lo blanch. Lattes: http://lattes.cnpq.br/1359573211695155 E-mail: prof.luchemim@gmail.com

[2] Dados obtidos pelo TSE Mulheres – disponível em https://www.justicaeleitoral.jus.br/tse-mulheres/

[3] Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2024-05/tre-condena-deputado-rodrigo-amorim-por-violencia-politica-de-genero

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