Violência de gênero na política e suas interseccionalidades

Aparecida Suely Barboza[1]

Rafaela Jaqueline de Melo Tenório[2]

Ser mulher não é nada fácil, esta frase pode parecer clichê, mas é isso mesmo, não é fácil, ser mulher, sobreviver mulher, resistir sendo mulher, no entanto, para algumas pode ser “mais fácil” que para outras, a depender do espaço que ocupa e transita, e em quantos e quais marcadores sociais esteja inserida, as violências atravessam seus corpos de formas diversas, mas atravessam.

No espaço político não é diferente, podendo ser mais insalubre e cruel, pois aquelas que, mesmo na atualidade, ousam ocupar esse espaço precisam estar preparadas, não apenas para disputar uma eleição e conquistar seus eleitores, mas, principalmente, para sobreviver no meio político, pois as violências praticadas contra elas extrapolam, em muito, quando praticada contra os homens.

Segundo o Código Eleitoral, em seu art. 326-B, é crime eleitoral “assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar, por qualquer meio, candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo, utilizando- -se de menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia, com a finalidade de impedir ou de dificultar a sua campanha eleitoral ou o desempenho de seu mandato eletivo”, no entanto, alguns não se intimidam e acreditando na impunidade, ao arrepio da lei, insistem nessa prática vergonhosa, e violenta o processo democrático.[3]

Segundo a Confederação Nacional dos Municípios, em Estudo Violência Política de Gênero e Fundo Especial de Financiamento de Campanha – MMM, realizado entre os meses de agosto e outubro de 2024, 60,4% das prefeitas e vices afirmam já ter sofrido violência política de gênero, como violência verbal, psicológica e física. Ainda, segundo esse mesmo documento, quando não há “(…) estrutura de apoio que contemple as especificidades dessas candidaturas e a violência política interseccional – que combina gênero, raça e classe – torna ainda mais desafiador o acesso e a permanência das mulheres na política”.[4]

Há mais de 90 anos as mulheres podem votar e serem votadas,e mesmo representando a maioria da população brasileira, a participação das mulheres na política ainda é ínfima, devido a todas as barreiras impostas.

A situação fica mais grave quando se trata de mulheres negras, trans e travestis, pois a violência contra esse grupo de mulheres é muito mais letal, pois suas vidas têm menos valor ainda, e se ela preencher mais de um desses três marcadores sociais, mais cruel será a violência que atravessa seus corpos.

Como esquecer a dor que todas e todos sentiram, principalmente seus familiares, quando executaram Marielle Franco, e somente agora, seis anos depois, seus executores foram condenados, e pensar que ainda não acabou, porque os mandantes continuam impunes[5]. E que mesmo diante da sensação de uma certa “justiça”, nada trará de volta a filha, a mãe, a companheira, aquela que lutava incansavelmente em defesa daqueles e daquelas que não têm voz.[6]

No pleito eleitoral de 2020, foram eleitas nove mil mulheres, e entre as vereadores e vereadoras, 6,3% eram mulheres negras, e  foram vítimas de violência virtual, psicológica, moral, institucional, racial e sexual.[7]

Em 2024, vieram à tona ataques racistas, mensagens de ódio e ameaças de morte proferidas à Deputada Federal Carol Dartora, recebidos em mais de 43 (quarenta e três) e-mails, em decorrência do seu gênero, da sua cor de pele e por defender o que acredita, como defensora dos direitos humanos.[8]

Quando se trata de mulheres trans e travestis os desafios são ainda maiores, as quais além das ameaças e agressões sofridas[9], ainda encontram falta de apoio até mesmo dentro do próprio partido em que são filiadas, pois dificultam as suas candidaturas, assim, enfrentando barreiras políticas, partidárias, sociais, escolares e familiares.[10] Para tanto, está em trâmite na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 128/23 que visa incluir a transfobia na Lei 14.192/21, criada para coibir a violência política contra as mulheres, e que considera como violência: toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos da mulher.[11]

Essas violências contribuem para sub-representação de mulheres, mulheres negras, indígenas, trans e travestis, nos espaços políticos de poder e decisão, pois por temer por sua  própria integridade e vida,  esse fator é agravado quando as ameaças se estende aos entes queridos e familiares, se afastam do espaço político. Segundo Huri Paz, a violência é “reprodutora das desigualdades de gênero e raça na política fluminense”, pois aliada a existência de desigualdades, somado a baixa renda, escolaridade, expectativa de vida, dificuldade de acesso à saúde, e tantos outros marcadores sociais, o ciclo de violência política é reproduzido ciclicamente.[12]

Com o intuito de compreender o fenômeno social da violência política de gênero e como agir para combatê-la durante as eleições, foi elaborada, pelo INTERNETLAB e o Redes Cordiais, a Cartilha para o Enfrentamento da Violência Política de Gênero e Raça.[13]Machistas, racistas, homofóbicos, transfóbicos, ou qualquer que ouse impedir a ascensão política de uma mulher, não passarão


[1]Especialista em Direito Constitucional pela Academia Brasileira de Direito Constitucional – ABDConst. Graduada em Direito pela Unibrasil. Advogada Licenciada da OAB PR. Curso de Extensão – Diversidades e Inclusão Social em Direitos Humanos – Raça e Etnia, pela PRCEU/ ECA – USP. Integrante do Comitê de Igualdade de Gênero no MPPR. Integrante da Comissão de Heteroidentificação de Concurso do Ministério Público do Estado do Paraná. Integrante do Grupo de Trabalho do Núcleo de Promoção Étnico Racial do Ministério Público do Estado do Paraná. Pesquisadora no Grupo de Pesquisas sobre Direitos Humanos e suas interseccionalidades. Integrante do “Todas da Lei”. Assessora Jurídica no Ministério Público do Estado do Paraná.

[2]Especialista em Direito de Família e Sucessões pelo Centro Universitário Curitiba – UniCuritiba, e pós-graduanda em Direito Penal e Processo Penal pelo Gran Faculdade. Graduada no curso de bacharelado em Direito pela UNIBRASIL – Centro Universitário. Integrante do Grupo de Trabalho do Núcleo de Promoção Étnico Racial do Ministério Público do Estado do Paraná. Residente Jurídica no Ministério Público do Estado do Paraná.

[3]Violência política e interseccionalidade de raça e gênero na esfera penal. Disponível em: ANPR – Violência política e interseccionalidade de raça e gênero na esfera penal. Acesso em 11/12/2024.

[4] ESTUDO VIOLÊNCIA POLÍTICA DE GÊNERO E FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE

CAMPANHA – MMM. Disponível em: 202410_ET_Violencia_Politica_de_Genero_e_Fundo_Especial_.pdf. Acesso em: 12/11/2024.

[5]Ronnie e Élcio são condenados por assassinar Marielle e Anderson. Disponível em: Ronnie e Élcio são condenados por assassinar Marielle e Anderson | Agência Brasil. Acesso em: 12/11/2024.

Caso Marielle: Moraes vota para manter prisão de Domingos Brazão. Disponível em: Caso Marielle: Moraes vota para manter prisão de Domingos Brazão | Agência Brasil. Acesso em: 12/11/2024.

[6]Marielle Franco. Sociedade Brasileira de Sociologia. Disponível em: Marielle Franco – Sociedade Brasileira de Sociologia. Acesso em: 12/11/2024.

[7]Violência política contra mulheres negras, sintoma de uma sociedade machista e racista. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/clp/noticias/violencia-politica-contra-mulheres-negras-sintoma-de-uma-sociedade-machista-e-racista. Acesso em: 17/11/2024.

[8]Deputada Carol Dartora é ameaçada de morte por e-mail. Poder 360. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2024/10/17/deputada-paranaense-carol-dartora-pt-e-alvo-de-ataques-racistas-e-misoginos. Acesso em: 18/11/2024.

[9]Suplente de vereadora, mulher trans é assassinada brutalmente em Sinop (MT). Disponível em https://www.msn.com/pt-br/noticias/brasil/suplente-de-vereadora-mulher-trans-%C3%A9-assassinada-brutalmente-em-sinop-mt/ar-AA1tSsYI?ocid=BingNewsSerp. Acesso em: 17/11/2024.

[10]Os desafios que as pessoas trans enfrentam na política. Disponível em: Os desafios que as pessoas trans enfrentam na política | Política. Acesso em: 11/12/2024.

[11]Projeto inclui transfobia na lei que coíbe a violênica política contra as mulheres. Agência Câmara de Notícias. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/941101-projeto-inclui-transfobia-na-lei-que-coibe-a-violencia-politica-contra-as-mulheres/. Acesso em: 18/11/2024.

[12]ASSASSINATOS DE POLÍTICOS NO RIO DE JANEIRO (1988-2022):UMA ANÁLISE INTERSECCIONAL. Pesquisa financiada pelo PIBIC/UFF -CNPQ. Entre 2020 e 2023, com recursos do Núcleo de Pesquisa e Formação em Raça, Gênero e Justiça Racial do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento -AFRO-CEBRAP. Disponível em: https://preprints.scielo.org/index.php/scielo/preprint/view/6857/12953. Acesso em: 17/11/2024.

[13]Cartilha Violência Política de Gênero e Raça. INTERNETLAB e Redes Cordiais. Disponível em: https://internetlab.org.br/wp-content/uploads/2024/07/CartilhaViolenciaPoliticadeGeneroeRaca.pdf. Acesso em: 18/11/2024.

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