Por Melina Giradi Fachin
Quando uma mulher ocupa um espaço de poder, ela carrega em seus ombros não apenas sua voz, mas também o peso de séculos de exclusão. A violência política de gênero — aquela que busca calar, desmoralizar ou expulsar mulheres da vida pública pelo simples fato de serem mulheres — é uma estratégia cruel de preservação das velhas estruturas. E no Brasil, essa violência tem rosto, data e memória.
Em 2014, o país inteiro assistiu a um dos episódios mais simbólicos da violência política de gênero no Parlamento. A então deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) foi atacada no plenário da Câmara por Jair Bolsonaro, à época também deputado. Em rede nacional, Bolsonaro afirmou que Maria do Rosário “não merecia ser estuprada” porque seria “muito feia”. Não se tratava de uma divergência política. Era misoginia, nua e crua, usada como arma para humilhar, intimidar e desumanizar uma mulher no exercício de seu mandato.
O ataque não foi um caso isolado. Foi um aviso: “esse lugar não é para você”. A violência política de gênero funciona assim — tenta transformar a política em um espaço hostil, insuportável, para que mulheres desistam de estar nele. E quando não basta o boicote, o deboche ou o silenciamento sutil, vem a violência aberta, pública, para deixar claro quem pode falar e quem deve se calar.
O episódio de Maria do Rosário escancarou o que tantas já sabiam: o ambiente político brasileiro é profundamente hostil às mulheres. Não à toa, o caso impulsionou a criação de um movimento nacional de denúncia e reação, que resultou, anos depois, na aprovação da **Lei nº 14.192/2021**. A lei reconhece a violência política de gênero como crime e estabelece normas para preveni-la e combatê-la. É um avanço — mas que ainda precisa sair do papel.
A verdade é que o sistema ainda protege agressores e pune vítimas. Ainda hoje, mulheres são interrompidas, ridicularizadas, ameaçadas em sessões plenárias, campanhas eleitorais e redes sociais. Mulheres negras, indígenas, LGBTQIA+ e defensoras de direitos humanos enfrentam camadas ainda mais pesadas dessa violência. O recado é o mesmo: “vocês não pertencem aqui”.
Mas pertencem. Pertencemos! E é exatamente isso que apavora quem se beneficia da exclusão.
Cada mulher que ocupa uma cadeira no Parlamento, que ergue a voz em uma tribuna, que propõe leis, que constrói políticas públicas, desafia não apenas a cultura do machismo político — desafia também o projeto de uma democracia elitista e patriarcal.
A luta contra a violência política de gênero é, portanto, uma luta pela democracia real. Não basta tolerar mulheres na política: é preciso garantir que possam exercer seus mandatos com liberdade, segurança e respeito. É preciso que cada ataque, cada ameaça, cada humilhação seja denunciada, julgada e punida — não como se fossem episódios banais, mas como crimes contra a coletividade.
Maria do Rosário não se calou. Muitas outras também não se calaram. E é por elas — e por todas as que virão — que seguimos dizendo: nossa voz não será silenciada. Nossa presença não será tolerada como concessão — será afirmada como direito.
Violência política de gênero é violência contra a democracia.
E não vamos recuar.