A inserção formal, igualdade salarial e de oportunidades da mulher negra no mercado de trabalho no Brasil

Aparecida Suely Barboza[1]

Rafaela Jaqueline de Melo Tenório[2]

Relembrando o Julho das Pretas[3], é importante adentrar na temática da inserção formal, igualdade salarial e de oportunidades da mulher negra no mercado de trabalho no Brasil. Para tanto é necessário um pequeno resgate histórico. O marco da inserção da mulher no espaço laboral foi através da Revolução Industrial no século XVIII, na Inglaterra, devido à globalização e ao novo  modelo capitalista, porém, com contratos informais e em situações precárias, com longas jornadas e mão de obra de baixo custo.

Por sua vez, no Brasil, a paridade de gênero e a evolução dos direitos alcançados pelas mulheres são resultados de decorrentes movimentos feministas, influenciados, inicialmente, pelo movimento e luta das mulheres nos Estados Unidos e Europa, que visavam a conquista de direitos políticos. No Código Civil de 1916, previa a necessidade da outorga uxória, na qual, determinava a mulher a imposição de autorização do marido, considerando a mulher casada como relativamente incapaz, que só poderia realizar  negócios jurídicos com o aval do marido, e apenas no ano de 1962 foi promulgada a Lei nº 4.121/1962, que dispõe sobre a situação jurídica da mulher casada, dando à mulher a plena capacidade e direitos para praticar seus atos livremente e sem a autorização de seus maridos ao entrar no trabalho[4].

No que se refere a mulher negra, e considerando suas interseccionalidades[5], esta ainda continua sendo a base da pirâmide social. Dentre as disparidades, a divisão sexual do trabalho incide sobre as mulheres e assenta a hierarquia de gênero na sociedade, ocupando posição de maior desvantagem e com relações precarizadas, e para Luana Simões:

“Quando se observa a distribuição, na população, do trabalho precarizado, as mulheres negras estão na posição de maior desvantagem. Elas são 39% das pessoas que exercem esse tipo de trabalho, seguidas pelos homens negros (31,6%), pelas mulheres brancas (27%) e, por fim, pelos homens brancos (20,6%). Se acrescentamos”[6].

Segundo o Ministerio dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC, não são raros os casos de mulheres negras resgatadas por estarem sendo submetidas a condição análoga de escravidão, e, mais especificamente no ambiente doméstico, com jornadas exaustivas, impedidas de ter contato com seus familiares e convívio social[7]. Ainda, o perfil das mulheres resgatadas dizem muito sobre a necessidade de enfrentar o tema com  a seriedade que ele requer[8].

Outra questão a ser enfrentada diz respeito à diferença salarial entre homens e mulheres, entre mulheres brancas e homens negros, e entre todos esses e as mulheres negras[9]. Segundo dados da RAIS 2022 e Respostas complementares do 1º Semestre de 2024:

O salário mediano de contratação das mulheres negras (R$1.566,00) corresponde a 82% da média (R$1.901,00), enquanto o dos homens não negros era 19% superior à média.

A remuneração média das mulheres (R$ 3.041,00) equivale a 68% do valor médio (R$4.472,00), e o salário dos homens não negros era 27,9% maior que o valor médio.[10]

Ainda, a superação está amparada na Lei 14611/2023[11], no entanto, não há em seu texto qualquer menção às interações presentes nas relações de trabalho e das discriminações que atravessam os corpos negros, como é o caso das diferenças salariais.

Pode-se aqui também trazer a reflexão de Sojourner Truth – E eu, não sou uma mulher?, em discurso ocorrido na Women’s Rights Convention em Akron, Ohio, Estados Unidos, em 1851[12], pois é importante questionar o que faz uma mulher negra ter sua mão de obra, sua intelectualidade sub valorizada, e por isso não receber aquilo que lhe é devido, nem em termos remuneratórios e nem em reconhecimentos aos seus feitos, independente de sua área de atuação. Por qual motivo lhe retiraram a humanidade? e, a ela cabe apenas as migalhas e o alento de subsistir.

O feminismo negro está em constante luta e movimento, em busca da efetivação dos direitos das mulheres negras[13],  e por mais igualdade de oportunidades, com igualdade salarial, com poder de decisão, seja no meio jurídico, político, artístico, científico ou em qualquer outro lugar. Por mais Lélia Gonzalez, Beatriz Nascimento, Elza Soares, Sueli Carneiro, Mariele Franco, Esperança Garcia, Jaqueline Goes, Mary de Aguiar Silva, Maria Odília Teixeira, Benedita da Silva, Conceição Evaristo, Djamila Ribeiro, Carla Akotirene, Enedina Alves Marques, Carolina Maria de Jesus, Cida Bento, Luiza Bairros, Luiza Mahin, e tantas outras.


[1] Especialista em Direito Constitucional pela Academia Brasileira de Direito Constitucional – ABDConst. Graduada em Direito pela Unibrasil. Advogada Licenciada da OAB PR. Curso de Extensão – Diversidades e Inclusão Social em Direitos Humanos – Raça e Etnia, pela PRCEU/ ECA – USP. Integrante do Comitê de Igualdade de Gênero no MPPR. Integrante da Comissão de Heteroidentificação de Concurso do Ministério Público do Estado do Paraná. Integrante do Grupo de Trabalho do Núcleo de Promoção Étnico Racial do Ministério Público do Estado do Paraná. Pesquisadora no Grupo de Pesquisas sobre Direitos Humanos e suas interseccionalidades. Assessora Jurídica no Ministério Público do Estado do Paraná.

[2] Especialista em Direito de Família e Sucessões pelo Centro Universitário Curitiba – UniCuritiba, e pós-graduanda em Direito Penal e Processo Penal pelo Gran Faculdade. Graduada no curso de bacharelado em Direito pela UNIBRASIL – Centro Universitário. Integrante do Grupo de Trabalho do Núcleo de Promoção Étnico Racial do Ministério Público do Estado do Paraná. Residente Jurídica no Ministério Público do Estado do Paraná.

[3] O Dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha, em 25 de julho. A comemoração ocorre desde 1992, após o 1º Encontro de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas, ocorrido em San Domingo, na República Dominicana, que ensejou a criação da Rede de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas. No Brasil, desde 2014, na mesma data, comemora-se o dia de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, após sancionada a Lei n.º 12.987/2014.

[4] Art. 246. A mulher que exercer profissão lucrativa, distinta da do marido, terá direito de praticar todos os atos inerentes ao seu exercício e a sua defesa. O produto do seu trabalho assim auferido, e os bens com êle adquiridos, constituem, salvo estipulação diversa em pacto antenupcial, bens reservados, dos quais poderá dispor livremente com observância, porém, do preceituado na parte final do art. 240 e ns. Il e III, do artigo 242.

[5] A associção de sistemas múltiplos de subordinação tem sido descrita de vários modos: discriminação composta, cargas múltiplas, ou como dupla ou tripla discriminação. A interseccionalidade é uma conceituação do problema que busca capturar as consequências  estruturais e dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos da subordinação. Ela trata especificamente da forma pela qual o racismo, o patriarcalismo, a opressão de classe e outros sistemas discriminatÛrios criam desigualdades b·sicas que estruturam as posiÁıes relativas de mulheres, raças, etnias, classes e outras. Além disso, a interseccionalidade trata da forma como aÁıes e polÌticas específicas geram opressões que fluem ao longo de tais eixos, constituindo aspectos dinâmicos ou ativos do desempoderamento. DOCUMENTO PARA O ENCONTRO DE ESPECIALISTAS EM ASPECTOS DA DISCRIMINAÇÃO RACIAL RELATIVOS AO GÊNERO. CRENSHAW, Kimberlé. University of California, Los Angeles. Tradução de Liane Schneider Revisão de Luiza Bairros e Claudia de Lima Costa. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ref/a/mbTpP4SFXPnJZ397j8fSBQQ/?format=pdf&lang=pt. Acesso em 28/07/2024.

[6] Luana Simões Pinheiro et al., “Mulheres e trabalho”, cit.

[7] Dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que 92% das pessoas que trabalham em ambiente doméstico são mulheres. Desse universo, mais de 65% são mulheres negras, boa parte trabalhando na informalidade. A coordenadora-geral de Erradicação do Trabalho Escravo, Andréia Minduca, lembra que a data rememora um momento de luta.Trabalhadoras domésticas: categoria vulnerável a violações de direitos humanos. Disponível em: https://agenciagov.ebc.com.br/noticias/202404/perfil-de-trabalhadoras-domesticas-expoe-vulnerabilidade-social-da-categoria-a-violacoes-de-direitos-humanos. Acesso em 26/07/2024.

[8] Pretas e pardas, do Norte e do Nordeste: dados inéditos traçam perfil de mulheres submetidas à escravidão contemporânea. Disponível em: https://g1.globo.com/trabalho-e-carreira/noticia/2023/03/11/pretas-e-pardas-do-norte-e-do-nordeste-dados-ineditos-tracam-perfil-de-mulheres-submetidas-a-escravidao-contemporanea.ghtml. Acesso em 23/07/2024.

[9] O Ministério das Mulheres destaca que no recorte por raça/cor do relatório, as mulheres negras, além de estarem em menor número no mercado de trabalho (2.987.559 vínculos, 16,9% do total), são as que têm renda mais desigual.

Enquanto a remuneração média da mulher negra é de R$ 3.040,89, correspondendo a 68% da média de remuneração dos homens não-negros é de R$ 5.718,40 — 27,9% superior à média. As mulheres negras também ganham 66,7% da remuneração das mulheres não negras. Mulheres recebem 19,4% a menos que os homens, diz relatório do MTE. Empresas com diferença salarial serão notificadas. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2024-03/mulheres-recebem-194-menos-que-os-homens-diz-relatorio-do-mte#:~:text=Dados%20do%201%C2%BA%20Relat%C3%B3rio%20Nacional,Trabalho%20e%20Emprego%20(MTE). Acesso em 28/07/2024.

[10] APRESENTAÇÃO DO RELATÓRIO DE TRANSPARÊNCIA SALARIAL. Dados Agregados dos Estabelecimentos do setor privado com 100 ou Mais Empregados – RAIS 2022 e Respostas complementares do 1º Semestre de 2024. Disponível em: https://docs.google.com/presentation/d/1Fzz5Jm8iM2LvCMGVjlhwHWlaiYiDuoO7/edit#slide=id.p1. Acesso em 28/07/2024.

[11] Dispõe sobre a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens; e altera a Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.

[12] Sojouner Truth nasceu escrava em Nova Iorque, sob o nome de Isabella Van Wagenen, em 1797, foi tornada livre em 1787, em função da Northwest Ordinance, que aboliu a escravidão nos Territórios do Norte dos Estados Unidos (ao norte do rio Ohio). Em uma reunião de clérigos onde se discutiam os direitos da mulher, Sojourner levantou-se para falar após ouvir de pastores presentes que mulheres não deveriam ter os mesmos direitos que os homens, porque seriam frágeis, intelectualmente débeis, porque Jesus foi um homem e não uma mulher e porque, por fim, a primeira mulher fora uma pecadora.

[13] O feminismo negro já tinha sido anunciado no Brasil, em fins da década de 1970, por meio de feministas negras como Lélia Gonzalez, que inicou as discuções sobre a mulher negra nas questões referentes ao mercado de trabalho, educação e saúde; e a filósofa, Sueli Carneiro, que cunhou a expressão “enegrecendo o feminismo” para discutir emergência de um movimento com um olhar feminista e antirracista, que incorpora tanto as tradições de luta do movimento negro como a luta do movimento das mulheres, estruturando essa nova identidade política referente à condição específica do ser mulher negra. O pacto da branquitude. BENTO, Cida.  – 1º ed. – São Paulo: Companhia das Letras. p. 84-85.

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