Aparecida Suely Barboza[1]
Rafaela Jaqueline de Melo Tenório[2]
No mês de julho comemoramos o Dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha, mais especificamente no dia 25 de julho. A comemoração ocorre desde 1992, após o 1º Encontro de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas, que ensejou a criação da Rede de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas.
No Brasil, desde 2014, na mesma data, comemora-se o dia de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, após sancionada a Lei n.º 12.987/2014.[3] Tereza de Benguela, também conhecida como “Rainha Tereza”, viveu no Quilombo Quariterê, e tornou-se a liderança feminina mais conhecida dos Quilombos. O Quilombo do Quariterê, localizado no Mato Grosso-MT, era formado por negros nascidos no Brasil e na África, por indígenas, brancos e cafuzos, no período da segunda metade do século XVIII e resistiu à escravidão por duas décadas, até 1770[4].
Neste 25 de julho de 2024, será o 10º ano que se comemora esta data, e o tema será: Mulheres Negras em Marcha por Reparação e Bem Viver, cujo objetivo é uma agenda coletiva para organizar a mobilização para a 2ª Marcha Nacional de Mulheres Negras, que ocorrerá em Brasília, em novembro de 2025. [5]
O Encontro debaterá sobre reparação histórica para a população negra e o Bem Viver, e servirá como paradigma nas ações de muitos movimentos de mulheres negras no Brasil.
Há muito o que avançar, pois no Atlas da Violência 2024, no que se refere às mulheres negras, traz os seguintes dados:
a) No ano de 2022, os homicídios de mulheres negras registrados pelo sistema de saúde corresponderam a 2.526, ou seja, 66,4% do total. A taxa equivale a 4,2 por grupo de 100 mil, enquanto a de mulheres não negras foi de 2,5. Na variação interanual (2012-2022), a taxa de homicídio de mulheres negras registrou declínio de 2,3%, enquanto no caso de mulheres não negras houve aumento de 4,2% (p 41);
b) Entre as vítimas letais da violência doméstica e intrafamiliar demonstra uma prevalência de pessoas negras, que representam 58,2% das vítimas. Meninas e mulheres brancas correspondem a 39,8% dos registros; amarelas, cerca de 1%; e indígenas, 1% (Gráfico 5.5) (p. 49);
c) A taxa de mortalidade por homicídios de mulheres idosas, observamos, no ano de 2022, uma taxa de 1,6 por 100.000 para mulheres negras, e de 1,4 por 100.000 para não negras. Verifica-se um decréscimo de 33,3%, na taxa de mortalidade das mulheres negras e de 36,4% das não negras (p. 99).
Segundo o 18º Anuário Brasileiro da Segurança Pública: 2024, o crime de estupro no Brasil alcançou o recorde em 2023, foram 83.988 casos registrados, um aumento de 6,5% em relação ao ano anterior, isso representa um estupro a cada seis minutos. Do total de casos, 76% correspondem ao crime de estupro de vulnerável, sendo assim, 88,2% das vítimas são do sexo feminino, 61,6% tem até 13 anos, e 52,2% são negras.
Quanto às vítimas de feminicídio, no ano de 2022, as mulheres negras corresponderam a 61,1% e as brancas a 38,4% do total; já em 2023, totalizaram 63,6% mulheres negras e 35,8%, brancas.[6]
As questões raciais envolvendo as violações dos direitos das mulheres negras devem ser analisadas de forma interseccional, sem desconsiderar o “mito da democracia racial”, pois:
A interseccionalidade das opressões fica clara ao apontar que a mulher negra continua sendo aquela que mais sofre as consequências dos estigmas raciais.
(…)
Ainda pior, se observamos com rigor quais são os cargos ocupados pelas mulheres negras na base dessa sociedade inegavelmente piramidal haverá ainda outros recortes a serem feitos decorrentes do colorismo.[7]
O racismo estrutural é visível na hierarquia da pirâmide social de status e renda, em que o topo é ocupado pela branquitude e a sua base pela negritude, e no que se refere aos marcadores de gênero, o topo da pirâmide é povoado majoritariamente por homens brancos e na sua base encontram-se as mulheres negras.[8]
Essa estrutura vem sendo ignorada em diferentes gestões governamentais e ciclos econômicos, e se manteve relativamente estável desde a abolição do regime escravocrata. É possível, então, constatar que historicamente o racismo estrutural e institucional, estão enraizados nas organizações do Estado – jurídica, política, econômica, e continuam sendo reproduzidos de forma naturalizada, com precariedade de políticas públicas específicas.
Desta forma, a luta do dia 25 de julho é voltada para a superação dessas violências com efetiva equidade de gênero e raça. A luta e resistência das mulheres negras continua sendo pela reparação histórica, reconhecimento de suas potencialidades, de suas contribuições em todas as áreas[9], bem como da grandeza de seus legados.
[1] Especialista em Direito Constitucional pela Academia Brasileira de Direito Constitucional – ABDConst. Graduada em Direito pela Unibrasil. Advogada Licenciada da OAB PR. Curso de Extensão – Diversidades e Inclusão Social em Direitos Humanos – Raça e Etnia, pela PRCEU/ ECA – USP. Integrante do Comitê de Igualdade de Gênero no MPPR. Integrante da Comissão de Heteroidentificação de Concurso do Ministério Público do Estado do Paraná. Integrante do Grupo de Trabalho do Núcleo de Promoção Étnico Racial do Ministério Público do Estado do Paraná. Pesquisadora no Grupo de Pesquisas sobre Direitos Humanos e suas interseccionalidades. Assessora Jurídica no Ministério Público do Estado do Paraná.
[2] Especialista em Direito de Família e Sucessões pelo Centro Universitário Curitiba – UniCuritiba, e pós-graduanda em Direito Penal e Processo Penal pelo Gran Faculdade. Graduada no curso de bacharelado em Direito pela UNIBRASIL – Centro Universitário. Integrante do Grupo de Trabalho do Núcleo de Promoção Étnico Racial do Ministério Público do Estado do Paraná. Residente Jurídica no Ministério Público do Estado do Paraná.
[3] Hoje na História, 25 de julho, Dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha. Disponível em. https://www.geledes.org.br/hoje-na-historia-25-de-julho-dia-internacional-da-mulher-negra-latino-americana-e-caribenha/?amp=1&gad_source=1&gclid=CjwKCAjw4_K0BhBsEiwAfVVZ_xCEBnTBQ2FWMCAJdKXRzmdjCHM6OWHVu3ViWJjx-Ub61E0Bdpm6fRoCNBQQAvD_BwE. Acesso em 19/07/2024
[4] Gomes Flávio dos Santos. Lauriano, Jaime.Schwarcz, Lilia Moritz. Enciclopédia Negra. Biografias afro-brasileiras. 1º ed. – São Paulo: Companhia das Letras. p. 539-640.
[5] A agenda coletiva da 12ª edição do Julho das Pretas reúne 539 atividades, realizadas por mais de 250 organizações, em 23 estados e no Distrito Federal. Disponível em: https://institutoodara.org.br/julho-das-pretas/#:~:text=Repetindo%20o%20tema%20de%202023,de%20mulheres%20negras%20em%20Bras%C3%ADlia. Acesso em 20/07/2024.
[6] ANUÁRIO BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA 2024. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ano 18, 2024. ISSN 1983-7364. Disponível em: https://publicacoes.forumseguranca.org.br/items/f62c4196-561d-452d-a2a8-9d33d1163af0. Acesso em 18/07/2024.
[7] DEVULSKY, Alessandra. COLORISMO – COLEÇÃO FEMINISMOS PLURAIS.Coord. Djamila Ribeiro. São Paulo: Jandaíra, 2021. pgs. 104 e 115.
[8] Bento, Cida. O Pacto da Branquitude. São Paulo: Companhia das Letras, 2022. p. 119-129.
[9] Artes, jurídicas, tecnologia, ciências humanas, política, entre outras.