Manoella Menezes
Recentemente o Talibã editou um novo decreto que proíbe que a voz de mulheres seja ouvida por outras mulheres. Segundo a reportagem do portal terra[1], o ministro da Virtude do Talibã, anunciou a absurda regra que “mulheres adultas não devem permitir que suas vozes sejam escutadas”. Tal restrição também atinge a recitação do Alcorão e a realização de orações islâmicas.
A partir da publicação desta lei, que afeta substancialmente o direito à liberdade das mulheres Afegãs, e inspirada no texto da semana do dia 30/10, da escritora Iana Vilella[2], cujo trabalho já acompanho há tempos e suas postagens sempre me trazem profundas reflexões e identificações, me propus a pensar sobre a escuta das vozes das mulheres.
Silvia Frederichi, em seu texto “A história oculta da fofoca: mulheres, caça às bruxas e resistência ao patriarcado” explica a origem da palavra fofoca (“gossip”). O que inicialmente, na Inglaterra moderna, significava uma amiga próxima e se referia às amizades femininas, foi modificada e hoje ganha conotação pejorativa. Para Silvia, “imputar um sentido depreciativo a uma palavra que indicava amizade entre as mulheres ajudou a destruir a sociabilidade feminina que prevaleceu na Idade Média (…)”[3]. Tanto é que, em 1547, na Inglaterra, foi editado um decreto que proibia o encontro de mulheres para conversar.[4]
Ainda, no final do século XVI, era possível que as mulheres sofressem punições, caso aparentassem ter independência ou tecer críticas aos seus maridos. Afinal, a subserviência era uma obrigação das esposas daquela época. Como forma de castigo para estas mulheres transgressoras, utilizava-se um instrumento de tortura que consistia em uma estrutura de metal e couro que, caso a mulher falasse, teria sua língua rasgada.[5] Na Escócia, essa ferramenta era denominada de “gossip bridle”.[6]
Muito embora o decreto do Talibã, editado em outubro de 2024, esteja há séculos de distância temporal daquelas leis e ferramentas utilizadas no século XVI, eles estão muito próximos em seu objetivo, que é o violento silenciamento das vozes das mulheres.
Com isso, me coloquei a pensar no que há para ser tão temido nas vozes femininas e em mulheres que ouçam às vozes de suas semelhantes. Me lembrei de quantas vezes precisei ser ouvida em momentos muito cruciais da minha vida e como as mulheres (essencialmente elas) que estavam ao meu entorno se transformaram nas minhas gossips e o quanto estas escutas me revigoraram. Me recordei também de tantas outras mulheres que me procuraram para ser sua gossip, e como tenho certeza de que, depois daquelas trocas, saímos fortificadas.
Acredito que a primeira vez que reconheci a potência da voz feminina foi quando passei a integrar e participar ativamente da Comissão das Mulheres Advogadas da OAB/PR. Estar na presença de tantas mulheres relevantes, com ideias e trabalhos admiráveis era (e continua sendo) transformador para a minha posição profissional e pessoal.
Ouvir o que estas vozes femininas têm a dizer, permite que as mulheres criem identidade coletiva e produzam um fortalecimento único. Como lindamente canta Mariana Nolasco na música “Pra todas as mulheres”: abafaram nossa voz, mas esqueceram de que não estamos sós.
[1] TERRA. Novo decreto do Talibã proíbe mulheres de serem ouvidas entre si. Disponível em: https://www.terra.com.br/noticias/mundo/novo-decreto-do-taliba-proibe-mulheres-de-serem-ouvidas-entre-si,bb73286cc936bf2bbeca9a1b42c7eafboo8jd3nf.html. Acesso em: 30 out. 2024.
[2] IANA VILELLA. Eu estava trabalhando quando senti dois olhos na minha nuca – aquela sensação estranha da perda de privacidade quando se está sendo vigiada. Instagram: @ianavillela. Disponível em: https://www.instagram.com/p/DByZCjrJoaI/?igsh=YXoyc2NoeTBvN3Fv&img_index=1. Acesso em: 31 out. 2024.
[3]FEDERICI, Silvia. A história oculta da fofoca. São Paulo: Boitempo, 2019. Disponível em: https://blogdaboitempo.com.br/wp-content/uploads/2019/12/minilivroboitempo_a-histc3b3ria-oculta-da-fofoca_silvia-federici.pdf. Acesso em: Acesso em: 01 nov. 2024.
[4] Idem.
[5] Idem.
[6] Idem.