Gisele Porto Barros
O alcance de direitos políticos pelas mulheres deu-se por meio de um moroso processo de evolução democrática, baseado em movimentos sociais que provocaram no legislador e, em especial, no Constituinte de 1988 a urgência de mudanças para concretização de direitos próprios à cidadania feminina. Aliás, foram mulheres do Brasil todo, em um feminismo muito bem articulado, embora silenciado pelo patriarcado, que fizeram um projeto de Constituição (lobby do batom) fundamentada na cidadania (art. 1º, II) e a prever a igualdade entre homens e mulheres (art. 5º, I).
Mas, apesar dos esforços na conquista de direitos e emancipação feminina próprios da primeira e segunda ondas feministas, barreiras estruturais e culturais enraizadas na nossa sociedade impedem o pleno gozo de direitos civis, entre os quais a igualdade, sociais e políticos pelas mulheres até os dias atuais.
Uma série de obstáculos, endógenos e exógenos, pode ser apontada à representação democrática feminina, iniciando-se pelo papel social imposto às mulheres pelo patriarcalismo e pela opressão que sofreram por instituições como religião e exército. Historicamente aprisionadas nos lares e limitadas a tarefas domésticas e de cuidado, as mulheres foram afastadas dos espaços públicos e da tomada de decisões, ficando sujeitas à obediência paterna e/ou marital, o que contribuiu para o atraso do atingimento da igualdade política e para a estigmatização do (suposto) desinteresse delas pela atividade política, a levar o eleitorado, majoritariamente composto por pessoas do gênero feminino, inclusive, a crer, muitas vezes, serem elas menos capacitadas para ocupar cargos políticos que os homens.
Sempre válido lembrar que somente em 1932 foi garantido o sufrágio feminino no Brasil, direito já exercido na Nova Zelândia desde 1893 e no Equador admitido em 1929. Por sinal, segundo estudo realizado pelo Projeto Mulheres Inspiradoras, enquanto o Brasil ocupa atualmente a 115ª posição no ranking mundial de presença feminina no parlamento dentre os 138 países analisados, esse vizinho latino-americano encontra-se na 9ª posição (41,6%).
Apenas em 1990 elegeu-se a primeira mulher para o cargo de senadora e, em 1994, no Maranhão, a primeira governadora. A ocupação da Presidência por uma mulher, pela primeira vez, somente ocorreu no País em 2010. Segundo dados da Secretaria da Mulher, após o último pleito eleitoral a representatividade feminina nas duas casas legislativas federais no Brasil é de tão somente 12 senadoras e 91 deputadas federais. E, nas mais recentes eleições municipais (2020), as mulheres foram eleitas apenas para 12,2% das prefeituras brasileiras.
Mesmo com legislação a estabelecer cotas para representação política mínima e a obrigatória destinação de percentual específico de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha para candidaturas femininas – aliás, comportamento sistematicamente descumprido, punido e anistiado –, entre outros exemplos de medidas de discriminação positiva, barreiras fáticas às oportunidades individuais continuam a existir e a impedir o alcance da igualdade substantiva entre homens e mulheres também no cenário político.
Esses números e realidades não se coadunam com a ideia de democracia paritária inerente ao Estado Democrático de Direito. São consequências da discriminação e opressão das mulheres ainda hoje verificadas, próprias da não-cidadania, ou seja, da negativa ao pleno gozo dos direitos civis, políticos e sociais, uma vez consideradas não cidadãs ou cidadãs de segunda classe.
Porque ainda negados às mulheres os mesmos privilégios, o mesmo tratamento, as mesmas condições de participação política, as mesmas oportunidades, o mesmo reconhecimento, enfim, os mesmos direitos que são dados aos homens, em última análise, se lhes é negada cidadania.
Até quando?