Por Letícia Parucker
“Ih, lá vem aquela feminista com seus discursos que homem não presta”; “Tá vendo aquela ali? Vai morrer solteirona porque só pensa em trabalho”; “Ela não quer ter filhos. Como será uma mulher completa?”.
Estes são apenas alguns exemplos de comentários que todo mundo já escutou alguma vez na vida, e sei que muitas pessoas acharam normal ou nem prestaram atenção como este tipo pensamento pode provocar danos. Afinal, como determinada prática que acontece todos os dias ou que todos comentam pode ser a causa de algum mal?
Incrivelmente, há uma explicação bem simples: quando repetimos algo por muitas vezes, em um determinado momento passamos a aceitá-la e acreditar que está dentro da normalidade. Esse fenômeno acontece em qualquer situação, seja ela prazerosa ou ruim. Nos casos em que há algum desconforto, demoramos mais para aceitar, mas em certo momento iremos aceitar como se tomássemos um remédio ruim para curar.
Para ilustrar, vamos a um exemplo: todo dia a mulher acorda cedo, faz o café para ela e seu marido, pega ônibus para o seu trabalho, bate ponto, realiza todos os seus compromissos, no fim do dia volta para casa, arruma a casa, faz comida, lava a louça, toma um banho e vai dormir.
Parece que não há nada errado. É só mais um dia comum na vida da maioria das mulheres: cuidar da casa e, se tiver, ser responsável pelos filhos em tempo integral, mesmo que a mulher trabalhe durante o dia em outro lugar assim como seu marido. Afinal, crescemos em uma sociedade que nos ensina que o homem deverá trabalhar e ser o responsável por pagar as contas da casa, enquanto a mulher foi obrigatoriamente colocada para cuidar dos afazeres domésticos, além de gerar e criar os filhos.
Ora, a sociedade não espera que um homem ajude nos afazeres domésticos, já que este papel sempre foi destinado à mulher. As mulheres, para serem consideradas honestas e dignas de respeito, devem obedecer aos ditames patriarcais de comportamento considerado adequado para elas.
Ao realizar uma rápida pesquisa na internet, nota-se ainda que existem inúmeros artigos e livros que doutrinam mulheres a agradar os homens e quais atitudes devem assumir para atrair o “grande amor da sua vida”. Em contrapartida, não há material que ensine homens a serem agradáveis, que ensine como agradar as mulheres e como atrair a sua alma gêmea.
Portanto, não é difícil perceber que existe uma grande diferença de tratamento entre os gêneros que perdura há muito tempo, o qual sempre obriga a mulher a assumir muitas vezes um comportamento que não quer e, assim, ela se vê obrigada a esconder a sua própria essência, apenas para se encaixar em moldes previamente determinados.
Ensinamos as mulheres a não ter ambição, não almejar o sucesso, pois isto pode ameaçar o homem. Ensinamos que em um relacionamento é a mulher que deve fazer concessões. Ensinamos que mulheres não podem agir como seres sexuais, sob o perigo de parecermos promíscuas e inaceitáveis como ser humano. Ensinamos que é melhor permanecer calada, do que iniciar uma discussão e contrariar um homem.
Enfim, ensinamos as mulheres a serem mestras na arte do fingimento, esquecendo de seus próprios desejos e sonhos, deixando de assumir o controle do seu destino. E, infelizmente, a ficar caladas quando sofrem qualquer tipo de agressão (seja física ou psicológica).
Sim, eu sei que não é nada fácil falar sobre gênero, sobre a violência contra o gênero feminino e, principalmente, sobre feminismo. Talvez porque a palavra “feminismo” sempre esteve cercada de preconceitos, os quais acabam limitando nosso pensamento e nossa forma de agir.
Em seu livro Sejamos todas Feministas, Chimamanda Ngozi Adichie afirma: “Por que usar a palavra ‘feminista’? Por que não dizer que você acredita nos direitos humanos ou algo parecido? Porque seria desonesto. O feminismo faz, obviamente, parte dos direitos humanos de uma forma geral – mas escolher uma expressão vaga como ‘direitos humanos’ é negar a especificidade e particularidade do problema de gênero. Seria uma maneira de fingir que as mulheres não foram excluídas ao longo dos séculos. Seria negar que a questão de gênero tem como alvo as mulheres. Que o problema não é o ser humano, mas especificamente um ser humano do sexo feminino”.
O problema está em aceitarmos comportamentos que claramente violam os direitos de qualquer pessoa, em especial àqueles comportamentos que automaticamente excluem as mulheres como pessoas que possuem os mesmos direitos de um homem.
Portanto, é necessário que ocorra uma mudança na nossa sociedade, na nossa cultura, e o primeiro passo está na reeducação de cada um, construindo uma nova linguagem em que as mulheres não são vistas apenas como algo para procriar e cuidar da casa, mas como pessoas que possuem direitos de ser o que quiserem.