Por Letícia Parucker
Desde pequena sempre gostei muito de ler. Passava horas nas bibliotecas do colégio, tanto que quando eu tinha uns 6 anos recebi da bibliotecária o apelido de “ratinha da biblioteca”. E, nesta época, ganhei o livro “O Reizinho Mandão” da autora Ruth Rocha. Um livro infanto-juvenil, bem curtinho, de 39 páginas e que guardo até hoje com muito carinho. De vez em quando revisito ele e a sensação é a mesma: como essa história aparentemente bobinha, continua sendo atual com diversos “sapos” querendo assumir o poder.
A história é sobre um príncipe mimado, que pensa ser o dono do mundo, e que assumiu o trono depois que seu pai, o rei, faleceu. Ao assumir o trono, o Reizinho ficou “mandão, teimoso, implicante, xereta”, e sua diversão era fazer diversas leis, muitas delas bem absurdas. Mesmo sob alertas de seus conselheiros, o Reizinho insistia em suas vontades e dizia que era ele quem mandava ali, exigindo que todos ficassem quietos, até seu papagaio. Por medo, o povo ficou quieto e desaprendeu a falar. As pessoas esqueceram as palavras e, durante um tempo, o Reizinho não percebeu porque adorava falar sozinho. Até que um dia ele cansou! Tentou falar com as pessoas, mas ninguém respondia, ninguém lembrava como se falava. Por isso, foi buscar ajuda no reino vizinho, onde havia um grande sábio. O sábio disse que o Reizinho tinha que voltar e achar uma criança em sabia falar, e lá foi ele bater de porta em porta perguntando pela criança, mas todo mundo tinha medo dele. Depois de muito procurar, bateu na porta de uma casa e ninguém atendeu. Percebeu movimentos na casa, então berrou, esperneou, até que uma senhora abriu a porta. O Reizinho entrou empurrando a porta e viu uma menina no fundo. Ela não falava, mesmo após o Reizinho insistir muito, e no momento em que ele ficou irritado a menina também ficou e gritou. Em seguida, o reino todo começou a falar, cantar, dançar, esbanjando alegria. O Reizinho apavorado correu pela estrada e ninguém mais soube dele. Alguns dizem que virou sapo.
E agora, qual a relação deste livro de criança tem com o Donald Trump ou até mesmo com a violência de gênero?
Todos sabem que Donald Trump possui ideias um tanto radicais, sempre se mostrando como uma pessoa misógina, racista, preconceituosa com todos aqueles diferentes de seus padrões. E ouso dizer que até mesmo dentre seus asseclas, há aqueles que têm a consciência do comportamento do novo presidente dos EUA e não concordam, mas obedecem a ele apenas por conveniência.
Em seu discurso de posse no dia 20 de janeiro de 2025, Trump começou com palavras fortes, afirmando que a “era de ouro da América” iniciava naquele momento, dentre outras promessas idealistas sobre o crescimento do país. E, ao aquecer o coração dos seus eleitores, Trump começa a lista dos “desafios” a serem enfrentados, os quais julga serem o motivo do declínio de seu país. Assumindo, assim, a retórica da extrema direita e flertando com o público conservador.
Na lista dos problemas que deverão ser resolvidos estão as questões relacionadas ao gênero. Trump diz claramente: “(…) irei encerrar a política governamental de tentar fazer engenharia social de raça e gênero em todos os aspectos da vida pública e privada. Nós forjaremos uma sociedade que não vê cor, baseada no mérito. A partir de hoje, será a política oficial do governo dos Estados Unidos que existam apenas dois gêneros, masculino e feminino”. Esta fala apenas reforça o que ele já havia prometido em uma conferência em dezembro de 2024, ao declarar que irá deter a “loucura transgênero” desde o primeiro dia do seu mandato. Esta atitude é um retrocesso insano na luta pelos direitos civis.
A identidade de gênero é aquela relação que cada pessoa tem com seu próprio corpo, que pode ou não corresponder ao sexo atribuído no nascimento. Estas questões relacionadas ao corpo, gênero e orientação sexual sempre foram tratadas com preconceito, silenciamento e marginalização, sendo raramente debatidas de maneira aberta e inclusiva.
Ora, o reconhecimento e aumento da visibilidade de pessoas transexuais e pessoas não-binárias contribui significativamente no combate à violência de gênero, sendo necessário reconhecer e incluir suas demandas nos debates sobre direitos humanos, sobre os conceitos de gênero e, assim, ampliar a proteção de seus corpos e dignidade.
O atual presidente dos EUA ataca violentamente os direitos humanos, ao reprimir discussões sobre gênero. Donald Trump é ótimo em distorcer a realidade em seus discursos, fornecendo uma única verdade: a dele! Comporta-se como um Reizinho Mandão, mimado e intolerante. A diferença é que na história infantil, o Reizinho reconhece seu erro, conserta e se afasta, o que dificilmente ocorrerá na vida real.